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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

150 anos de Ernesto Nazareth

Janis Cassília

Hoje se perguntarmos a uma pessoa o que é o tango brasileiro, muito provavelmente a pessoa dirá “não sei”. Ou então se perguntarmos quem era Ernesto Nazareth, poucas pessoas saberão dizer. Numa época em que pagodes, sambas e outras músicas populares invadem as lojas e nossos iphones, deveríamos saber que houve outra época, em que mesclar o erudito com o popular era inovador. Um feito para grandes mestres da música brasileira, o mais reconhecido deles, Ernesto Nazareth.
Há 150 anos nasceu Ernesto Nazareth (1863-1934). Esse homem que foi, no fim de sua vida, paciente da Colônia Juliano Moreira, é visto como um dos grandes mestres da música popular brasileira, lugar de destaque que divide com Chiquinha Gonzaga. Nasceu em uma casa na encosta do Morro do Pinto na região do Porto do Rio de Janeiro. Seu pai era um despachante aduaneiro e sua mãe, que morreu quando Ernesto ainda era criança, a responsável por lhe instruir os primeiros ensinamentos musicais. Aos 14 anos compôs sua primeira música, a polca-lundu “Você bem sabe”, uma resposta ao pai, para afirmar sua vocação musical. Ernesto Nazareth compôs mais de 200 obras, a mais famosa “Odeon”, e a maior parte delas tangos brasileiros, que faziam parte dos Chorões, uma união de ritmos que animava as festas (forrobodós) cariocas. Ligado à música erudita, Nazareth trazia em suas composições elementos populares e africanos. Passou a vida, gravando músicas, se apresentando nas casas de música como pianista demonstrador e no salão de espera do Cinema Odeon. Foi reconhecido internacionalmente, o que não lhe privou de uma vida modesta, apesar de suas músicas terem dado lucro para seus editores. Casado e pai de quatro filhos, trabalhou como compositor, instrumentista, pianista e professor de música.

No decorrer de sua vida perdeu a audição e foi internado na Colônia Juliano Moreira em 1933, onde tocava piano na casa do administrador. Em 1934, depois de visita da sua filha, Ernesto Nazareth fugiu da instituição. Seu corpo foi achado três dias depois, na cachoeira da Colônia, em estado de decomposição. Era um domingo triste de carnaval. O Rio de Janeiro havia perdido um grande compositor para a morte e a loucura. 

Ernesto Nazareth aos 45 anos, 1908. Coleção Luiz Antonio de Almeida. Fonte: http://www.ernestonazareth150anos.com.br/Images




Anúncios de discos da gravadora Odeon, 1930, incluindo o 78-RPM gravado pelo próprio Nazareth contendo as peças Apanhei-te, cavaquinho e Escovado. Coleção Luiz Antonio de Almeida. Fonte: http://www.ernestonazareth150anos.com.br/Images


Reportagem anunciando a morte de Ernesto Nazareth, Correio da Manhã, terça-feira, 6 de fevereiro de 1934. Fonte: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx



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Participação do IHBAJA no I Seminário Colônia Juliano Moreira: cartografias de um corpo de memórias em transformação.

No dia 30 de novembro de 2013, o IHBAJA participou do seminário Colônia Juliano Moreira: cartografias de um corpo de memórias em transformação realizado pelo Museu Bispo de Rosário na Colônia Juliano Moreira (CJM). Janis Cassília e Valdeir Costa palestraram sobre a história da Colônia Juliano Moreira e sobre a história de Jacarepaguá. O seminário abordou o processo de reordenação do espaço físico e das relações sociais que está ocorrendo na Colônia Juliano Moreira em vista as várias intervenções governamentais e a crise de identidade pela qual passa o recente bairro. Cenário da implantação de diversas políticas públicas na área da saúde mental, a CJM transformou-se em bairro com características próprias que acompanha as modificações estruturais e sociais de Jacarepaguá e num nível maior da cidade do Rio de Janeiro. O I Seminário pretendeu oferecer subsídios históricos, sociais, políticos e culturais para compreensão crítica dos processos que contribuíram para a estruturação da CJM na região da Baixada de Jacarepaguá, oferecendo um panorama das transformações na instituiçãoao longo do século XX até a atualidade. Na parte da manhã, Janis Cassilia, do IHBAJA, palestrou sobre a história da Colônia, desde sua inauguração em 1924 até fins da década de 50. Janis nos apresentou à uma época em que a CJM era considerada o hospital modelo da atuação federal na saúde pública., as várias visitas da Getúlio Vargas ao estabelecimento, as modernas técnicas terapêuticas implantadas pelos médicos e a superpopulação decorrente do fechamento de outras instituições psiquiátricas no Rio de Janeiro. Também foi abordado o início das vilas de moradias que originaram o bairro em que se transformou a CJM. A palestra foi bastante apreciada pelo público, que contribuiu com várias perguntas sobre o passado da CJM.
Na parte da tarde, as atividades foram divididas. Primeiro foi realizada a caminhada histórica pelo centro histórico da Colônia, dirigida por Valdeir Costa, também integrante do IHBAJA. Valdeir destacou os aspectos históricos e geográficos de Jacarepaguá, como por exemplo, a importância mística e religiosa que a área da atual colônia possuía para os índios tupinambás antes da colonização portuguesa, a divisão de sesmarias, com a doação da sesmaria de Jacarepaguá à família Correia de Sá e a importância da produção do açúcar para a colonização e do antigo Engenho Novo, que deu origem à CJM, quando desapropriada pela união em 1912. Valdeir, também em palestra muito elogiada pelo público, percorreu o Centro Histórico, apresentando as construções do antigo engenho e da Colônia e suas respectivas funções, com destaque para a Igreja Nossa Senhora de Remédios e o Aqueduto.
Seguindo a programação, após a caminhada histórica ocorreram uma nova palestra de Janis Cassília e do professor da PUC-Rio Guilherme Guttman. Guttman refletiu sobre o que é a loucura, a loucura de cada pessoa dentro do seu intimo. Já Janis Cassília abriu espaço para uma conversa sobre os processos sociais que estão ocorrendo dentro do espaço da Colônia, em destaque para a questão dos grandes eventos que o Rio sediará.

Seguem abaixo fotos do evento:


A diretora do Museu, Raquel, como mediadora e a palestrante Janis Cassilia.


Início da caminhada histórica.


Caminhada histórica, Morro Dois Irmãos.


Valdeir Costa durante a caminhada histórica.





No portão secundário do Antigo Engenho Novo, Centro Histórico da Colônia.


Valdeir Costa palestrando.


Sob o aqueduto da Colônia.




Fim da caminhada histórica, fornos do antigo engenho.


Palestra da Tarde.


Janis Cassília, a mediadora Bianca e Guilherme Guttman.


Público.
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sexta-feira, 1 de novembro de 2013




No ano de 1929, quando a cidade do Rio de Janeiro ainda era a capital do Brasil, estourou uma das maiores crises do sistema capitalista mundial, a chamada Crise de 29. Esta crise provocou demissões em massa em diversos setores da economia mundial, impactando também no Brasil, onde milhares de operários se viram, de uma hora para outra, sem seu único meio de garantir sua subsistência e de sua família.  No mês de março de 1929, uma equipe do jornal A Pátria esteve presente em Deodoro, na Fábrica de Tecidos Sapopemba, e descreveu a situação de “desolação” e “abandono” daquela oficina que “há mais de vinte anos animara a remota estação Suburbana de Deodoro”. Aquela oficina fabril, que outrora empregava mais de 700 operários, se via sem “capital e sem trabalho”, de acordo com o caseiro da fábrica (CARONE, 1984).

Neste mesmo ano, de acordo com um relatório da Polícia Civil do D.F. foram realizadas aproximadamente dez greves protagonizadas por diferentes categorias de trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro. Uma delas ocorreu aqui na Baixada de Jacarepaguá, próximo da atual Praça Seca, no nº 1.243 da Avenida Cândido Benício: foi a greve dos padeiros da Padaria Jandyra. Um dos empregados do estabelecimento, provavelmente em sérias dificuldades financeiras devido à conjuntura caótica da crise de 1929, e premido pela necessidade, foi solicitar ao seu empregador um adiantamento de seu salário. Como se encontrava em débito com o patrão, este se recusou a dar o adiantamento ao padeiro em dificuldades e em solidariedade ao colega de trabalho os demais trabalhadores da Padaria Jandyra decidiram paralisar os trabalhos. Como se recusavam em prosseguir com as atividades, foram conduzidos ao 24º Distrito Policial e os serviços naquela padaria voltaram ao normal com o apoio da Polícia que deslocou padeiros de outros lugares para substituírem os grevistas que foram conduzidos para o D.P (ver fundo DESPS no APERJ).

Esta situação é bem ilustrativa daquele período, pois a questão social, ou seja, as reivindicações básicas por melhores condições de vida encampadas pela classe trabalhadora eram tidas como caso de Polícia. Isso evidencia os sérios limites da democracia então em vigor no país. Não podemos esquecer que dependendo da filiação partidária ou ideológica, uma pessoa podia ser simplesmente banida do Brasil, caso dos anarquistas, os mais visados pela Lei Gordo de 1907, que autorizava tal ato.

Av. Cândido Benício entre os nº1219 e 1271. O número 1243 em que
situava a Padaria Jandyra no ano de 1929 não existe mais.
Foto de nov./2012 por Val Costa.
O “levante” dos padeiros da padaria Jandyra é precioso, pois nos revela também outros importantes aspectos do processo de luta dos trabalhadores, somente perceptíveis quando o reinserimos no contexto mais amplo de disputas das classes laborais de sua época. Podemos notar, por exemplo, que atos como a greve ou a paralisação estavam se difundindo por um conjunto amplo de segmentos do mundo do trabalho, não se restringindo aos setores “mais dinâmicos” da economia e nem as paralisações e greves ocorriam por motivo de aumento de salário ou redução da jornada de trabalho. Daí vermos mesmo na década de 20 a profusão de ações de protesto desse tipo não só entre tecelões, metalúrgicos e ferroviários, como também entre motorneiros, sapateiros, funcionários de hotéis, padeiros, mecânicos, chapeleiros, alfaiates, trabalhadores da estiva, motoristas, açougueiros, garçons etc.

Daí vermos também a ocorrência de greves e paralisações motivadas pela solidariedade e necessidade de apoio mútuo entre os trabalhadores que dividiam o cotidiano do mesmo ambiente de trablaho, e, portanto, submetidos aos mesmos problemas e dilemas, como a dominação pelo patrão e a miséria da vida em família.  Essas e muitas outras experiências vivenciadas em conjunto pelos trabalhadores produziam ações mais conscientes e organizadas dos trabalhadores, que resultaram em greves potentes que surgiram ao longo das décadas 1910 e 1920, demonstrando que os trabalhadores se identificavam como classe e que, portanto, reconhecia o seu inimigo de classe: os patrões e o Estado como aliado. E os padeiros e outras tantas categorias de trabalhadores faziam ranger a velha máquina patriarcal e estatal, atuando no sentido de desnaturalizar as tradicionais relações de trabalho, ainda muito embebidas pela cultura escravista. Basta pensar que naquele ano da greve na padaria Jandyra o país havia abolido a escravidão a apenas pouco mais de 30 anos.

Outro aspecto importante - e as paralisações da Jandyra, as inúmeras da Fábrica de Deodoro, de Bangu, de Vila Isabel, do Andaraí, e muitas outras, só para ficarmos no exemplo do Rio de Janeiro – que se torna evidente é que esses e outros protestos, se vistos como fazendo parte do mesmo processo, foram fundamentais para dobrar os governos e eliminar privilégios que o Estado mantinha em favor das classes dominantes que impediram a introdução  das leis trabalhistas desde a década 1910 até o período varguista. O que desmonta a tese de que a CLT teria sido fruto de um ato de bondade de Getúlio Vargas para com os trabalhadores brasileiros. Muito pelo contrário: ela foi resultado inequívoco de lutas e embates, sustentado cotidianamente pelos trabalhadores em seu local de trabalho, como aquele verificado na padaria Jandyra da rua Cândido Benício naquela remota manhã de 1929.

Leonardo S. dos Santos e Renato de S. Dória

 Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá 




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quinta-feira, 5 de setembro de 2013




Não é mistério para ninguém que Jacarepaguá foi uma área de grande produção agrícola há uns 50 ou 60 anos atrás. Aqui por essas bandas se produzia quase tudo um pouco. Se na época da escravidão os grandes proprietários se fartavam com a produção de cana-de-açúcar, a partir de 1888 a região seria ocupada por um sem número de hortas e pomares. Um mar de sítios e chácaras, pequenos lotes de terra movidos pelo trabalho e suor de diversas famílias – a maioria de portugueses. Tínhamos o predomínio de uma agricultura de subsistência. 


Era um modelo onde o que se plantava se voltava principalmente para as necessidades das pessoas. A mão-de-obra era familiar. Poucos eram assalariados. Cuidava-se de alimentar o povo, a gente trabalhadora. Nada lembrava aquele terrível sistema colonial e escravista, de plantation, agroexportador. Uma pena que ele estava restrito a poucos lugares, como Jacarepaguá. Uma pena não ter havido a Reforma Agrária! Certamente teríamos um povo mais bem alimentado, saudável e feliz.


Pior: tal cenário foi destruído em nossa região por um modelo de urbanização predatório, sem nenhuma regulamentação. Destruidor mesmo. E contra isso se voltaram muitos moradores e, principalmente, a esmagadora maioria dos seus pequenos lavradores. E o mais notável de tudo – e essa é uma história ainda muito pouco conhecida: esses trabalhadores vendo a necessidade de constituir uma organização em defesa de seus interesses criaram uma Liga Camponesa. Ela foi uma das primeiras do Brasil, junto com a de Ribeirão Preto e de Iputinga (PE). Para tanto contaram com a inestimável colaboração de comunistas, como o engenheiro e professor Pedro Coutinho Filho. Cearense e membro do PCB, ele foi uma das principais lideranças do “campesinato” da baixada de Jacarepaguá e um dos idealizadores da Liga. Nela os trabalhadores tinham acesso a serviços jurídicos, assistiam a palestras, recebiam orientações técnicas. 




Pedro Coutinho ao centro, junto a uma comissão da Liga. Tribuna Popular, abril de 1946.




E também funcionou como importante base local do PCB na região, servindo como comitê eleitoral para os seus candidatos. A Liga também patrocinava diversos festejos (festa junina, o do Dia das Crianças etc.), churrascos, concursos. Comemorava-se até mesmo o 14 de julho francês (Queda da Bastilha!). Política e diversão caminhavam juntas. Mas sem alienação. A Liga era um importante espaço de conscientização política dos pequenos lavradores. Ali eles passavam a ter a dimensão dos seus direitos, da importância da luta, da pressão constante sobre os poderosos e de como era importante a mobilização tendo por base uma pauta, uma bandeira, uma identidade.  Com a ilegalidade do PCB em 47, as Ligas foram fechadas. Os “camponeses” de Jacarepaguá teriam que reinventar outras formas de organização e lutas na década de 50, mas sem perder a alegria. Jamais.




À direita da foto, o antigo endereço da Liga Camponesa de Jacarepaguá. Foto do autor (2012).



Leonardo Soares dos Santos é pesquisador do IHBAJA e professor da UFF.


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domingo, 9 de junho de 2013

O Comunista da Colônia Juliano Moreira



Tente imaginar você caro(a) leitor(a): estamos na década de 40, bem no coração da ainda agrícola Jacarepaguá, pouco acessível em termos de transportes. É bom lembrar que a região nunca foi atravessada por linhas de trem. E mesmo as linhas de bonde eram alvos de numerosas críticas por parte da população. Além disso, com exceção de alguns centros locais, bastante populosos para os padrões da região, como Pechincha, Tanque e Freguesia, as demais áreas eram escassamente povoadas. E eram nessas áreas que ainda predominavam as atividades agrícolas. Esse também era o caso da Colônia Juliano Moreira. Onde era plantado de quase tudo um pouco (hortaliças, legumes e frutas). Inclusive por quase todos os seus pacientes. Mas ali um antigo funcionário cuidava de plantar outra coisa.
O Dr. Jacinto, no início de 1947. Foto do jornal Tribuna Popular. Acervo DPS/APERJ.

Seu nome era Jacinto Luciano Moreira. Nascido em Minas, negro, de família bastante humilde, veio ainda jovem para o Rio. Começou a trabalhar na Colônia quando ela ainda se localizava na Ilha do Governador. Como seu funcionário fazia o típico papel de “pau pra toda obra”, de servente de pedreiro a entregador de pão. Sua estatura elevada e grande porte físico pareciam incliná-lo para tal. Mas quando passa a cuidar mais diretamente dos pacientes, Jacinto parece despertar para sua verdadeira vocação e decide se tornar médico. Com muito custo e empenho se forma pela Faculdade de Medicina de Niterói em 1942.

E nessa nova experiência o Dr. Jacinto se deparará com outra. Também intensa e que marcará sua vida até os últimos dias: ele passa a ter contato com as ideias, projetos e sonhos do antigo PCB. Nutria simpatias pelo partido desde a década de 30, contribuindo com o Socorro Vermelho, mas se filiaria a ele efetivamente em junho de 1945 e logo se tornou o “secretário político” da Célula 23 de Outubro, que tinha como base de atuação a Colônia Juliano Moreira. Percorria toda a região de bicicleta para atender “aos operários, lavradores, famílias sem recurso”. Também chegou a ter uma pequena clínica no Largo da Taquara. Também ficou muito conhecido por organizar serenatas ao redor do seu violão no lugar. É bem provável que em tais momentos o Dr. Jacinto também exercitasse a sua veia militante, buscando incorporar mais gente para as “fileiras do glorioso partido de Luiz Carlos Prestes”. E por todos esses serviços prestados o PCB decidiu lançá-lo como candidato às eleições para vereador em 47. Ele teve pouco menos de mil votos. Mas apesar disso e mesmo a dura repressão aos comunistas que se seguiu após aquele mesmo ano não o desanimaram na tarefa da militância partidária. E assim foi até seus últimos anos de vida. Jacinto, o médico, negro, comunista, viria a falecer em 10 de agosto de 1961.

"Santinho" do candidato a vereador pelo então Distrito Federal. Acervo DPS/APERJ.


Renato Dória  - IHJA, FIOCRUZ e  UFF 
Leonardo Soares - IHJA e UFF
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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Carlos Lacerda e os posseiros de Jacarepaguá






No início da década de 1960, o Partido Comunista Brasileiro já havia adotado um rumo de total conciliação com os setores da burguesia nacional, seja do meio urbano quanto do meio rural. Mas ainda havia algumas forças conservadoras cuja aliança ou parceria era tida como inviável para o PCB. Uma delas era a UDN, especialmente a sua liderança maior – Carlos Lacerda. Era esta a figura a ser combatida, talvez o principal adversário político do PCB no âmbito do estado da Guanabara. A ele seriam dirigidos a partir do início da década de 60 os principais e mais intensos ataques, mais até do que ao “império ianque”. Lacerda seria responsabilizado por todos os infortúnios vividos pela população carioca e o Novos Rumos (novo nome do jornal do PCB) tentava demonstrá-lo seja através de editoriais e reportagens ou de pequenas “homenagens”, como a que foi concedida na forma de uma música de autoria de Sarandy, leitor assíduo do jornal:   
Nas eleições
quanto potoca,
mil ilusões
pro carioca

Hoje está vendo
o tempo perdeu,
e está sofrendo
quem te elegeu

A água sumiu
o “bicho” rendeu, o povo sentiu
e se arrependeu

Ao progresso
sois um estorvo,
filho da Esso
maldito Corvo

Ódio da farda
é tua sina
o rio da guarda
virou piscina
ódios internos
ódios antigos
crias infernos
mata-mendigos (Novos Rumos, 06-12/09/63, p.6.)

CHARGE DE LACERDA DO ÚLTIMA HORA. ACERVO: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

      As notícias sobre violências e crimes cometidos por grileiros contra lavradores cariocas seriam usadas pela imprensa comunista como um instrumento de afirmação do seu antagonismo em relação a Lacerda. Todos os problemas e desventuras sofridas pelo lavrador do Sertão Carioca eram, no final das contas, colocados da conta do “corvo da rua do Lavradio” (Esta era a rua onde se localiza até hoje o Tribuna da Imprensa, na época de propriedade de Lacerda), que agiria mancomunado com as companhias imobiliárias no crescente processo de especulação das terras da zona rural do Estado da Guanabara.
      Exemplo disso foi a destruição das hortas de cem lavradores em Jacarépaguá por parte de policiais da vigilância sanitária. Sob o título “Polícia de Lacerda protege a ‘saúde da light”, o Novos Rumos desvendava os verdadeiros motivos “da invasão destruidora, com tôda a sua truculência de tipo fascista” da polícia. Alegava Lacerda que a destruição das hortas tinha se dado em função de preocupações com a higiene e a saúde da população, já que as hortas seriam regadas com águas de um riacho contaminado. Na verdade, revelava o Novos Rumos, as terras pertenceriam à Rio Light S.A., que estaria disposta a expulsar os lavradores para poder alugar os lotes agrícolas a uma companhia imobiliária:
“É simplesmente o aumento do lucro imobiliário que o sr. Lacerda favoreceu, ao iniciar, na prática, a expulsão dos lavradores das terras da ‘Light’, destruindo suas plantações sem a menor indenização e sem qualquer informação aos lavradores sôbre seu futuro(...).
Talvez agora se torne mais compreensível porque tão grande número de escritórios eleitorais do sr. Lacerda localizava-se nos térreos de edifícios em construção”( Novos Rumos, 10-16/02/61, p. 6.).

Nessa mesma área seriam instalados anos mais tarde o Hospital Cardoso Fontes e a Fábrica de Papelão (hoje desativada e prestes a se tornar um shopping).

CHARGE DE LACERDA DO ÚLTIMA HORA. ACERVO: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.


      Meses depois a polícia de Lacerda voltaria a “assinar ponto no sertão guanabarino”. Tal como em Jacarépaguá, aquele mobilizaria a polícia em Campo Grande para atender aos “negros propósitos” dos “tubarões de terra” numa nova “empreitada sinistra”:
“Cenas difíceis de se supor que ocorressem em longínquos rincões do interior, onde o coronelismo e o latifúndio impõem sua vontade, acontecem a menos de hora e meia de ônibus do centro do RJ.(...) com o conhecimento e a aprovação tácita do governador – (...) o aparelho policial se presta a violentar primários direitos de cidadãos pacatos, de quais não se conhece outra atitude que não o do trabalho, penoso e diuturno” (Novos Rumos, 11-17/08/61, pp. 1 e 6.).  


Segundo noticiava o Luta Democrática às vésperas do golpe de 64, uma “reforma agrária” estava prestes a ser “decretada” em Vargem Pequena (Jacarepaguá), mas não pelos seus 1.220 “posseiros” e sim “pelos velhos e conhecidos grileiros da região, antes abandonada e desvalorizada.” Por meio dessa “reforma agrária”(!) os “posseiros” estavam “sendo violentamente ameaçados de serem expulsos de suas terras” e ainda “perdendo suas benfeitorias”. Para sua implementação recorria-se aos serviços de capangas armados, “incumbidos de invadir as terras, abrindo fogo, a todo custo, como se aquilo fosse terra de ninguém”. E segundo jornal, tudo isso contaria com o beneplácito do poder público:
“Todas as queixas levadas às autoridades policiais, pedindo garantias, são recusadas ou postas na ‘geladeira’, porque o assunto é da alçadas da Justiça ... salvo se houver bala!
Já se verificaram casos em que os lavradores que vão pedir garantias ficam presos para averiguações.” (Luta Democrática, 24/03/1964. p. 7).
    
      Longe de serem vistos como um fenômeno distante e inexplicável, só apreendido pela matemática dos censos, os loteamentos eram considerados como sendo de autoria de “grileiros”, “ladrões de terras” e “aventureiros”, cujas práticas acarretavam inúmeros “malefícios ao abastecimento da cidade” e à “vida de humildes lavradores” e suas famílias. Ou seja, a expansão dos loteamentos sobre o Sertão Carioca se deu paralelamente à formação de uma importante arena de disputas em torno de valores e significados referentes a noções de direito e justiça. A existência de tal arena acabou sendo desconsiderada quando alguns estudiosos preferiram designar esse processo como “expansão do vetor urbano pela área rural” ou como Fânia Fridman preferia afirmar como “loteamentos promovidos em sua maior parte pelo setor imobiliário”. Mas na época em que esse processo se deu, ele era qualificado por alguns órgãos de imprensa como “repelentes assaltos de terras” praticados por “malfeitores encasacados”, ou, como contra-argumentavam as loteadoras, como a “chance sem igual de uma vida alegre” com “aplicação de capital seguro”, em terras “devidamente registradas e legalizadas”. E além de produzir novas ruas e casas, tal expansão concorreu para o surgimento de novas idéias, representações e certezas: dentre elas, foi-se consolidando a de que os infortúnios vividos pelos habitantes da região atendiam a interesses de um determinado grupo: enquanto a diminuição da produção agrícola acontecia, levando ao declínio das condições de vida dos lavradores e à falta de gêneros para o abastecimento da cidade, havia homens que faziam fortunas com ela.  
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domingo, 6 de janeiro de 2013

O comunista de Jacarepaguá


Pedro Coutinho Filho foi um dos principais militantes do Partido Comunista do Brasil(PCB) com atuação quase que exclusiva em Jacarepaguá.
De todos os militantes que atuaram na regiã foi de longe o que mais mereceu a atenção dos órgãos de informação da polícia política, do “farto dossier” (sic) produzido sobre ele é que colhemos boa parte das informações que aqui apresentamos. Pedro Coutinho nasceu em 10 de junho de 1901. Era professor, engenheiro civil e advogado. Ingressou no PCB em 1935, mas só começou o trabalho como militante dois anos depois, possivelmente foi nesse momento que recebeu o codinome “Cícero”. Por sua atuação esteve preso de 13 de janeiro a 12 de julho de 1937, e de 3 de dezembro de 1937 a 4 de junho de 1938, por ter sido condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional à pena de 1 ano de “prisão celular”. Por suas “atividades comunistas” esteve novamente preso entre 25 de março de 1940 a 29 de agosto de 1940. Trabalhou, profissionalmente falando, por muito tempo em Jacarepaguá, fator que talvez tenha pesado na decisão (dele ou do partido) de escolher o Sertão Carioca como área de atuação, muito embora não tenha se restringido a ela. Justamente o que mais nos chama atenção na sua trajetória é a diversidade de campanhas e organizações comunistas de que tomou parte ( e ás vezes a frente) em diferentes regiões. Além de Jacarepaguá, atuava também em Nova Iguaçu e no subúrbio da Leopoldina (Zona Norte). Integrou quase que de forma simultânea as seguintes organizações: década de 40 - Comitê Distrital de Jacarepaguá, Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá, Liga Camponesa de Jacarepaguá, Liga Camponesa do Distrito Federal, Comitê Democrático Progressista de Nova Iguaçu; década de 50 - Centro Nacional de Estudos e Defesa do Petróleo(CEPDEN), Comissão Executiva Pró-Reforma Agrária, a Liga de Emancipação Nacional e a Associação Rural de Jacarepaguá. Em função disso, Pedro Coutinho esteve na linha de frente de Campanhas como as da nacionalização do petróleo, da Reforma Agrária, da Imprensa Popular e pela defesa da posse da terra dos pequenos lavradores do Sertão Carioca. Além de ser simples membro, Pedro Coutinho exercia cargos de direção em algumas daquelas organizações. Foi o primeiro presidente do Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá, fundado em junho de 1945, e posteriormente fez parte do seu Conselho Fiscal e da Secretaria de Massa Eleitoral, chegando a se tornar seu presidente de honra. Foi também presidente da Liga Camponesa de Jacarepaguá e membro da diretoria da Liga Camponesa do Distrito Federal. 

Tribuna Popular, 16/05/1947, p. 2
      Segundo o agente da polícia política encarregado da produção de seu dossiê, essa ampla inserção de Pedro Coutinho em diferentes campanhas e organizações comunistas e, principalmente, a posição de direção que exercia em várias delas se daria pelo fato de estar “estreitamente ligado ao líder e chefes comunistas no país”, tanto assim que foi “um dos organizadores e oradores de vários comícios do líder LUIZ CARLOS PRESTES e outros chefes comunistas”. Exagero  ou não, o fato é que Pedro Coutinho parecia usufruir boa relação com homens bem situados na estrutura partidária do PCB, pois além de ocupar posições de direção daquelas entidades locais era também um dos dirigentes do CEPDEN, organismo de âmbito nacional que se ocupava de uma das principais frentes de luta do partido na década de 50, o da nacionalização do petróleo, que tinha como lema “O Petróleo é nosso”. No final de outubro de 1951, era ele quem presidia a “conferência sobre Petróleo e defesa da Economia Nacional” realizada em Grajaú. 

Coutinho apresentando uma reivindicação dos lavradores de Jacarepaguá. Tribuna Popular, 16/02/1945, p. 4.

      Mas foi no exercício da função de advogado das entidades sediadas em Jacarepaguá que Pedro Coutinho deve ter despertado real interesse por parte dos pequenos lavradores. É provável também que muitos deles tenham se filiado àquelas entidades justamente por poder contar com serviços jurídicos, tendo para isso apenas que pagar uma módica quantia cobrada a todos os seus sócios. Ao menos, essa era a expectativa de muitos sócios da Liga Camponesa de Jacarepaguá, na década de 40, e da Associação Rural de Jacarepaguá, nas décadas de 50 e 60. E em todas elas Coutinho foi o seu advogado. Ele também foi advogado da Associação de Lavradores de Campo Grande e Guaratiba, onde tinha entre seus clientes Manoel Ferreira, objeto de uma ação movida pelo “grileiro” Joaquim Rodrigues Pazo. Foi também um dos procuradores, junto com Heitor Rocha Faria, da comissão do Distrito Federal da I Convenção Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, realizada em São Paulo em 1953, eleita para participar dos trabalhos da Convenção Pela Emancipação Nacional, no ano seguinte.


Coutinho em evento do jornal Tribuna Popular. 6/6/1945, p. 5.
 
      Mas há um outro ponto importantíssimo presente na atuação de Pedro Coutinho (e na dos militantes comunistas de uma maneira geral): a inserção que tinha na estrutura partidária, possibilitou-lhe, entre outras coisas, atuar em diferentes campanhas e integrar a direção de diferentes organizações, favorecendo a realização de um objetivo que era muito caro ao PCB numa época de grande competição política com os setores ligados ao trabalhismo de Getúlio Vargas, especialmente o PTB: a unificação ou, ao menos, a integração desses movimentos numa frente comum de luta, de modo que isso fortalecesse a imagem do PCB como o principal partido das classes trabalhadoras. Nesse caso, ela poderia se dar sob a forma de manifestações de apoio, solidariedade e mesmo de adesão, entre membros de diferentes lutas ou campanhas.  Esse talvez tenha sido o principal capital político que Pedro Coutinho tentou obter junto aos lavradores organizados naquelas entidades, procurando, a todo momento, fazer com que eles encampassem as bandeiras de outras campanhas do partido e, em contrapartida, fazer com que essas outras campanhas tomassem como suas as reivindicações dos pequenos lavradores do Sertão Carioca. Essa parece ter sido a sua grande tarefa ao participar como convidado especial da Assembléia organizada por posseiros de Curicica em comemoração a uma vitória que obtiveram contra “grileiros” na justiça. Nela Coutinho teria conseguido a adesão desses posseiros à Convenção pela Emancipação Nacional, chegando a eleger para tanto uma comissão encarregada de acompanhar os trabalhos preparatórios desse evento. Mas não sem antes assegurar a eles que “nenhuma questão de importância para a vida do país escapará à discussão e à análise” da Convenção. “Assim, os problemas mais sentidos dos Lavradores, inclusive os de Curicica, serão ventilados”.

Neste local - entre Freguesia e Pechincha - funcionava a sede da Liga Camponesa de Jacarepaguá.


      Dois anos depois vemos Coutinho tentar unificar a pauta do movimento dos lavradores do Sertão Carioca com outros movimentos, e conseqüentemente obter seu apoio. Foi o caso da reunião, por ele presidida, da Comissão Executiva do Distrito Federal Pró-Reforma Agrária, na sede da Liga da Emancipação Nacional. Nessa reunião ele conseguiu reunir dois deputados, algumas lideranças sindicais como Lyndolpho Silva, representantes do Sindicato dos Têxteis e representantes das Associações de Lavradores de Jacarepaguá e de Coqueiros. As medidas discutidas foram a coleta de assinaturas pela Reforma Agrária, cuja cota determinada foi de 320 mil, e a colaboração da Comissão ao II Congresso de Lavradores do Distrito Federal.

       
Orgão comunista convocando para evento em defesa da Nacionalização do Petróleo em Cascadura. Coutinho organizaria alguns deles em Jacarepaguá.

Em outubro de 1955, às vésperas das eleições presidenciais daquele ano, o jornal comunista Imprensa Popular, demonstrando ter certeza de que Pedro Coutinho tivesse sua atuação reconhecida pela grande maioria dos lavradores do Sertão Carioca, chamou-o de “líder camponês”. Foi nesta condição que ele conclamou “seus companheiros de profissão[ os “camponeses” cariocas] a votar em J-J” (chapa presidencial composta por Juscelino Kubitschek e João Goulart). Só “com êles”, continuava Coutinho, “teremos o clima desejável para que consigamos vencer os grileiros, a distribuição de terras aos lavradores, títulos definitivos das terras já cultivadas pelos posseiros, revisão dos contratos e fixação à terra, concessão de crédito fácil”, etc.
      Curiosamente, a partir de meados da década de 50 até o mais ou menos 1963, não veríamos Pedro Coutinho desempenhar atuação de destaque em eventos públicos organizados por entidades do PCB com a mesma freqüência de antes. Seu trabalho parece ter se concentrado na prestação de assistência jurídica às “organizações camponesas” do Sertão Carioca. Sabe-se apenas que Coutinho integrou em 1961 uma Comissão Brasileira de Solidariedade ao Povo Cubano, organizada provavelmente após os acontecimentos ocorridos na Baía dos Porcos envolvendo grupos cubanos dissidentes apoiados pelos EUA.
      Ele voltaria a se destacar em alguns eventos “camponeses” ocorridos em 1963. Em maio desse ano Coutinho integraria junto com Antônio Caseiro, Teobaldo José Ribeiro, Manoel Rodrigues e Manoel Agapito - presidentes respectivamente das Associações Rurais de Jacarepaguá, Santíssimo, Guaratiba e Mendanha – e outras personalidades, a “comissão promotora” da II Conferência dos Lavradores da Guanabara. Meses depois, em novembro, ele também teria “liderado” uma “concentração” de lavradores em frente a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara. O objetivo, segundo ele, era lembrar aos parlamentares que
a gravidade da situação alimentar da população do Estado é, em parte, conseqüência do abandono e miséria em que se encontra o lavrador carioca, sem terra própria, sem auxílio técnico e financeiro, sem mercadoria garantida para os seus transportes e, ainda perseguido pelos exploradores imobiliários e pelos grileiros”.

Fazia-se mister que tais parlamentares tomassem não só medidas de urgência, mas principalmente  “modificações estruturais” no campo, pois só elas – e isso valia para o restante do país - poderiam fazer com que os lavradores do Sertão Carioca deixassem de ser um “peso morto”.

Prestes, a principal inspiração política e ideológica de Coutinho. Visitou Jacarepaguá por diversas vezes.


      A atuação de Pedro Coutinho junto às “organizações camponesas” foram suficientes para que aqueles que, segundo a “grande” imprensa, “salvaram” o país do “risco da comunização” com o golpe de 64, incluísse-lo na lista de indiciados do Inquérito Policial Militar nº709, chefiado pelo general Ferdinando de Carvalho, e que tinha por tarefa apurar a responsabilidade de reais e supostos participantes da “onda de agitação e subversão” que pretendia varrer os valores democráticos e cristãos do país. Aliás, Pedro Coutinho era o único de todos esses indiciados que tinha como base de atuação o Sertão Carioca.

Leonardo Soares dos Santos
Professor e Historiador, UFF, IHBAJA, USS
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