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sexta-feira, 1 de novembro de 2013




No ano de 1929, quando a cidade do Rio de Janeiro ainda era a capital do Brasil, estourou uma das maiores crises do sistema capitalista mundial, a chamada Crise de 29. Esta crise provocou demissões em massa em diversos setores da economia mundial, impactando também no Brasil, onde milhares de operários se viram, de uma hora para outra, sem seu único meio de garantir sua subsistência e de sua família.  No mês de março de 1929, uma equipe do jornal A Pátria esteve presente em Deodoro, na Fábrica de Tecidos Sapopemba, e descreveu a situação de “desolação” e “abandono” daquela oficina que “há mais de vinte anos animara a remota estação Suburbana de Deodoro”. Aquela oficina fabril, que outrora empregava mais de 700 operários, se via sem “capital e sem trabalho”, de acordo com o caseiro da fábrica (CARONE, 1984).

Neste mesmo ano, de acordo com um relatório da Polícia Civil do D.F. foram realizadas aproximadamente dez greves protagonizadas por diferentes categorias de trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro. Uma delas ocorreu aqui na Baixada de Jacarepaguá, próximo da atual Praça Seca, no nº 1.243 da Avenida Cândido Benício: foi a greve dos padeiros da Padaria Jandyra. Um dos empregados do estabelecimento, provavelmente em sérias dificuldades financeiras devido à conjuntura caótica da crise de 1929, e premido pela necessidade, foi solicitar ao seu empregador um adiantamento de seu salário. Como se encontrava em débito com o patrão, este se recusou a dar o adiantamento ao padeiro em dificuldades e em solidariedade ao colega de trabalho os demais trabalhadores da Padaria Jandyra decidiram paralisar os trabalhos. Como se recusavam em prosseguir com as atividades, foram conduzidos ao 24º Distrito Policial e os serviços naquela padaria voltaram ao normal com o apoio da Polícia que deslocou padeiros de outros lugares para substituírem os grevistas que foram conduzidos para o D.P (ver fundo DESPS no APERJ).

Esta situação é bem ilustrativa daquele período, pois a questão social, ou seja, as reivindicações básicas por melhores condições de vida encampadas pela classe trabalhadora eram tidas como caso de Polícia. Isso evidencia os sérios limites da democracia então em vigor no país. Não podemos esquecer que dependendo da filiação partidária ou ideológica, uma pessoa podia ser simplesmente banida do Brasil, caso dos anarquistas, os mais visados pela Lei Gordo de 1907, que autorizava tal ato.

Av. Cândido Benício entre os nº1219 e 1271. O número 1243 em que
situava a Padaria Jandyra no ano de 1929 não existe mais.
Foto de nov./2012 por Val Costa.
O “levante” dos padeiros da padaria Jandyra é precioso, pois nos revela também outros importantes aspectos do processo de luta dos trabalhadores, somente perceptíveis quando o reinserimos no contexto mais amplo de disputas das classes laborais de sua época. Podemos notar, por exemplo, que atos como a greve ou a paralisação estavam se difundindo por um conjunto amplo de segmentos do mundo do trabalho, não se restringindo aos setores “mais dinâmicos” da economia e nem as paralisações e greves ocorriam por motivo de aumento de salário ou redução da jornada de trabalho. Daí vermos mesmo na década de 20 a profusão de ações de protesto desse tipo não só entre tecelões, metalúrgicos e ferroviários, como também entre motorneiros, sapateiros, funcionários de hotéis, padeiros, mecânicos, chapeleiros, alfaiates, trabalhadores da estiva, motoristas, açougueiros, garçons etc.

Daí vermos também a ocorrência de greves e paralisações motivadas pela solidariedade e necessidade de apoio mútuo entre os trabalhadores que dividiam o cotidiano do mesmo ambiente de trablaho, e, portanto, submetidos aos mesmos problemas e dilemas, como a dominação pelo patrão e a miséria da vida em família.  Essas e muitas outras experiências vivenciadas em conjunto pelos trabalhadores produziam ações mais conscientes e organizadas dos trabalhadores, que resultaram em greves potentes que surgiram ao longo das décadas 1910 e 1920, demonstrando que os trabalhadores se identificavam como classe e que, portanto, reconhecia o seu inimigo de classe: os patrões e o Estado como aliado. E os padeiros e outras tantas categorias de trabalhadores faziam ranger a velha máquina patriarcal e estatal, atuando no sentido de desnaturalizar as tradicionais relações de trabalho, ainda muito embebidas pela cultura escravista. Basta pensar que naquele ano da greve na padaria Jandyra o país havia abolido a escravidão a apenas pouco mais de 30 anos.

Outro aspecto importante - e as paralisações da Jandyra, as inúmeras da Fábrica de Deodoro, de Bangu, de Vila Isabel, do Andaraí, e muitas outras, só para ficarmos no exemplo do Rio de Janeiro – que se torna evidente é que esses e outros protestos, se vistos como fazendo parte do mesmo processo, foram fundamentais para dobrar os governos e eliminar privilégios que o Estado mantinha em favor das classes dominantes que impediram a introdução  das leis trabalhistas desde a década 1910 até o período varguista. O que desmonta a tese de que a CLT teria sido fruto de um ato de bondade de Getúlio Vargas para com os trabalhadores brasileiros. Muito pelo contrário: ela foi resultado inequívoco de lutas e embates, sustentado cotidianamente pelos trabalhadores em seu local de trabalho, como aquele verificado na padaria Jandyra da rua Cândido Benício naquela remota manhã de 1929.

Leonardo S. dos Santos e Renato de S. Dória

 Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá 




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