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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015




Não é de hoje que as terras da região de Jacarepaguá (em especial as da Barra da Tijuca) são escandalosamente roubadas, em plena luz do dia, sob as barbas dos poderes públicos. Na verdade, a história dessa área revela um processo incessante de esbulhos, falcatruas cartorárias e atentados contra a vida humana, por conta das inúmeras disputas envolvendo a posse e a proriedade da terra. E isso desde os tempos dos clãs dos Assecas e dos Sás, e com a intermediação nada sagrada de algumas ordens religiosas (estas também grandes senhoras e possuidoras de terras).

E a coisa só piorou no período imperial e – pasmém – republicano. E no século XX a questão ganhou contornos mais dramáticos. Já que se nas épocas anteriores, a violência só atingia apenas as famílias diretamente envolvidas nas disputas, a partir de meados do século XX a sanha das loteadoras passa a visar a expulsão de centenas de famílias de uma mesma área e de forma indiscriminada.

Na antiga zona rural da cidade do Rio a expansão urbana fez inúmeras vítimas. De Santa Cruz a Jacarepaguá, vários casos de dor e sofrimento de famílias de pequenos lavradores dão testemunho do processo criminoso de expoliação que varreu a agricultura carioca. Na área de Vargem Grande e Vargem Pequena os lavradores eram obrigados a aceitar “um contrato com cláusulas medievais” do Banco de Crédito Móvel. O Radical noticiava em agosto de 1950, que as Companhias Tijucamar, Barra da Tijuca AS e Lagoamar AS agiam na Restinga de Jacarepaguá (atual Barra da Tijuca) para “negociar” terras que não lhe pertenciam. Por conta disso, “posseiros trintenários eram desalojados a mosquetão e a sevícias” por “capangas armados até os dentes”.

Sem esquecer da Fazenda Santo Antônio de Curicica (Jacarepaguá). Os primeiros embates entre lavradores e pretensos proprietários a chamar a atenção da imprensa datam do início da década de 50. Em 1952, por exemplo, os senhores Júlio César Fonseca e Gustavo de Carvalho (pretensos proprietários) conseguiram uma ordem de despejo contra cerca de 120 famílias que, assim diziam, trabalhavam ali há mais de 30 anos. Outra exigência foi encaminhada ao prefeito no sentido de que esse designasse uma comissão composta de três engenheiros para proceder ao “levantamento da área”. A luta desses lavradores era bem mais antiga: há 17 anos pelo menos, muitos deles vinham depositando as taxas de arrendamento em juízo. Em 1947, a Cooperativa de Agricultores de Jacarepaguá e a Liga Camponesa de Vargem Grande já mobilizavam esforços para tratar da “ameaça de expulsão” de 46 lavradores na Fazenda Curicica. Mas nesse momento, as salas dos tribunais já não eram suficientes para comportar por inteiro os embates entre os lavradores, que se diziam responsáveis pelo abastecimento de 40 toneladas diárias de legumes, frutas e verduras aos mercados do DF, e os “grileiros” Júlio César Fonseca, Luiz Saddy, o Banco de Crédito Móvel, a Cia. Bandeirantes e o Banco de Crédito Territorial, acusados de se valerem “de documentação falsa e de outros meios escusos” para satisfazerem seus intentos - afirmava o’ Radical em 1954. “A luta pela posse da terra está mais acêsa e mais violenta em Jacarepaguá” – noticiava com certo entusiasmo o jornal comunista Imprensa Popular em julho de 1954. Lendo as declarações de alguns lavradores, é possível perceber que as disputas em torno da posse da terra já não tinham o recato e comedimento exigidos por uma disputa jurídica. Ao contrário, os últimos acontecimentos davam força à idéia da história de Curicica como tendo sido feita “de sangue, violências e desumanidades”. O aumento da violência era atribuído por lavradores e imprensa à aplicação de uma tática agressiva por parte dos pretensos proprietários. Segundo nos conta o Imprensa Popular, em meados dos anos 50 “o grileiro César Augusto da Fonseca conseguiu trampolinescamente(sic) ampliar uma área de 535 mil para quase 5 milhões de m² a poder de tapeações, crimes e tocaias”.


Agora há que se perguntar: vendo o que hoje está sendo feito pelos poderes públicos e as empresas (e empreiteiras) que financiam suas candidaturas, no sentido de despejar e destruir a vida de moradores de “ocupações” que estão no “meio de caminho” dos grandes eventos: alguma coisa mudou? Ou a história que teima se repetir?


Leonardo Soares é pesquisador do IHBAJA e professor da UFF.


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